“1. Que pensas tu da realeza e dos reis?
Que são tão perigosos para os humanos como o tigre para os restantes animais.
2.Quem são agora os aristocratas?
A aristocracia de berço foi abolida em julho de 1830. Foi substituida pela aristocracia do dinheiro, que é tão voraz como a precedente.
3.Podemos contentar-nos com destronar a realeza?
…É necessário destronar todos os aristocratas, abolir todos os privilégios.
4.Que devemos por em seu lugar?
O governo do povo por si mesmo, ou seja, a república”
Louis Auguste Blanqui, Formulaire de réception à la Société des Saisons, 1830
Não confundimos direitos hereditários com sufrágio universal, a escolha é fácil. Acontece que, não só sabemos que o segundo demorou mais 64 anos a chegar como também que o legado romântico da revolução francesa não era propriamente o que tinham na ideia Sidónio Pais ou Afonso Costa. Também aqui não podemos confundir a influência de um pensamento iluminista vindo de Voltaire com a sanha anti-jesuíta do Partido Republicano Português. Em suma, que os regicidas teriam o mais nobre dos fins, ao que acresce o facto de terem grande certeza que era no cemitério que acabaria a sua participação no golpe, como se constata no testamento deixado por Manuel Buíça, não enaltece de forma alguma aquilo a que alguns chamam de Primeira República Portuguesa.
Já Saramago escreveu, em referência ao Alentejo e seus habitantes, que a república veio despachada de Lisboa, por telégrafo e imprensa para os poucos que sabiam ler, de boca em boca para os restantes, bocas nas quais a fome não se desvaneceu com promessas, olhares de miséria que viam a única diferença no vermelho, amarelo e verde do novo símbolo pátrio ostentado nas insígnias da guarda de espada em riste. E foi pouco mais que isto, se tivermos em conta o aumento brutal de presos políticos, a perseguição aos sindicalistas, deportações para Timor, e a participação na Primeira Guerra Mundial.
Numa altura em que os símbolos estão a voltar a fazer o seu desprezível papel de agregador social, manipulados que são pela classe política, numa década que já se sentia o nacionalismo a desaparecer e recuperou-se o ocidentalismo e um pseudo-europeísmo para que a deserção não seja total, numa semana em que nos querem a festejar o centenário de um golpe feito em nome do povo e no qual a participação popular foi utilitarista e rapidamente desprezada, apenas podemos celebrar a memória de quem derrubou o poder sem o tomar, desprezando quem o tomou sem o distribuir.
Viva Buíça e Costa, Abaixo a república!